Debates
2018: primeiras perspectivas para o agro
Mario Martins | 13 de dezembro de 2017 - 02:34
Por Roberta Züge
Em quase todas as mídias pode-se ler a premissa: “O Brasil
tem a vocação para a Agropecuária”, “O Brasil vai alimentar o mundo”, ou
variações de frases com este sentido. Apesar de parecer um bocado ufanista, de
fato, muito há de verdade nestas afirmações.
Recentemente estive fora do Brasil, visitando um país, que é
grande produtor de trigo. Fiquei comparando o quanto fomos beneficiados em
termos ambientais e climáticos. A terra de lá, muito seca e com pedras, não
parecia nada atraente ao plantio. Era outubro e eles estavam arando. Na
sequência iriam plantar.
O processo se inicia em outubro, arando o solo e plantando.
Logo a neve cobrirá tudo. Haverá morte de insetos e outros animais. Com o
degelo, que irá umedecer o solo, haverá a brota. Eles somente irão colher em
junho/julho. Para quem está acostumado com o agronegócio no Brasil isto foi
impactante. Primeiro o solo descoberto, arado, e os rios sem mata ciliar.
Depois muito tempo improdutivo. Não tem como não se lembrar dos nossos pastos
de inverno, que são semeados no de verão ainda verde.
No Brasil o ambiente se apresenta mais amistoso para o
agronegócio. Neve é algo pitoresco. Há algumas geadas que causam estragos. Mas
frente às paisagens todas brancas deles, fiquei até com vergonha de reclamar
que temos geadas em alguns locais do Brasil.
Nosso cenário também demonstra que muita tecnologia está
sendo empregada, a robotização já é realidade em muitas propriedades - desde
tratores a ordenhadeiras. Nestas propriedades, as vacas saem para fazer a
ordenha sozinhas e um robô estacionário as aguarda. Podem ser ordenhadas quatro
vezes ao dia, caso seja necessário, conforme a fase de produção. Este processo
dispensa um ordenhador, mas exige um profissional mais qualificado para operar
os equipamentos, para manutenção básica, etc. Claro, também exige que a
propriedade mantenha procedimentos mais especificados do processo como um todo.
Não há espaços para improvisações. Ainda em relação aos rebanhos, a genotipagem
(teste de DNA) já é realizada com rotina em diversas propriedades, como
ferramenta para direcionar os acasalamentos. E estes são feitos com foco na
melhoria da produtividade e qualidade, tanto para produção de leite, quando
para o gado de corte.
As produções de frango e suínos continuam despontando em
termos de volume e produtividade. A exportação de carne bovina, que pelo
advento da Carne Fraca, poderia manchar imensamente a imagem, contrariando as
previsões do início da operação, deve fechar o ano com um crescimento de 5% em
volume em 2018, caso os embargos russos sejam sanados com brevidade.
Apesar de estas tecnologias estarem fazendo parte do cenário
na pecuária nacional, e termos todo um panorama bem promissor de exportação, o
Brasil esbarra em diversos pontos críticos. A questão da logística, com a
sempre citada dificuldade de escoamento, que imprime altos custos pela baixa
qualidade das vias.
Outro ponto tem surgido, apesar de tentarem estancar, que
são os serviços veterinários. Um número imenso de profissionais está disponível
no mercado, mas poucos estão alocados para os serviços de fiscalização. O
contingente de médicos veterinários da fiscalização é sempre crítico nas
inspeções externas. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento até
fez uma contratação temporária de fiscais, mas é tapar o sol com a peneira. O
volume de produção cresce anualmente e com ele os índices de exportação, mas os
processos para garantir a sanidade dos produtos ficam deficitários.
Estes profissionais são imprescindíveis para a implantação
dos programas sanitários. Ações que devem ser realizadas orquestradas com todos
os envolvidos. Não adianta apenas o órgão fiscalizado impor os preceitos, o
setor deve cumprir rigorosamente os requisitos. Burlar e “ajeitar” para parecer
que se cumpre não deveriam nem ser cogitado.
Inúmeros municípios não implantaram seus sistemas de
inspeção sanitária. Sem eles, pequenos produtores comercializam de forma
clandestina. Apesar de parecer idílico, a aquisição de produtos artesanais sem
o controle sanitário pode transmitir muitas enfermidades, causando não somente
aqueles quadros diarreicos, mas também encefalites, septicemias e óbitos. A
negligência na sanidade dos alimentos tem um alto custo na sociedade,
infelizmente pouco evidenciada nos meios de comunicação.
Aliado a isto, há outras demandas, que apesar de parecerem
pequenas, assombram os produtores. Como a falta de antígenos para diagnóstico
de tuberculose e brucelose. Antes duas organizações públicas (estaduais) tinham
a missão de produzir e comercializar. A que detinha a maior capacidade de
produção, após diversos problemas e lotes rejeitados, parou e não retomou a
produção. Por lei, não se pode comercializar leite que seja oriundo de rebanhos
que não comprovem que os animais estão livres destas duas enfermidades. A
importação do insumo tem sido a alternativa adotada. O ideal seria termos uma
indústria forte, sem dependências do governo, que suprisse a demanda do setor,
produzindo cepas que sejam as demandadas para os nossos rebanhos. Poderia citar
diversas outras mazelas, que assombram o setor, mas mesmo este apanhado de
problemas, não consegue abalar a força do campo.
2018 está chegando com mais energia e sentimento positivo
que o início de 2017, mesmo o escorregão das fraudes na fiscalização não abalou
tanto a exportação, nem o mercado interno. Há diversas iniciativas que caminham
para a difusão e aplicação da tecnologia, nunca se falou tanto em start up no
agronegócio. Novas formas de negócio podem surgir e, sim, o homem do campo está
acessando a internet, tem buscado preços e fornecedores mais competitivos.
Busca informações e questiona. Está nas redes sociais, compartilha
experiências, quer fazer contatos e tem crescido o orgulho de trabalhar no
campo, mesmo entre os mais jovens. E, com o advento da tecnologia, reter este
filho no campo se torna mais fácil. Os desafios dos novos equipamentos são um
chamariz. Muitos modificaram completamente suas propriedades quando conseguiram
convencer na adoção de novas propostas.
Aliado a isto, certa aura de condenação de políticos
corruptos tem elevado a estima de muitos. E, pode-se dizer, até inibir que
outros tentem burlar suas obrigações, afinal se até um daqueles “magnatas” tem
enfrentado as quentinhas e frio de Curitiba, imagine uns com menos recursos.
Hipoteticamente, se conseguíssemos resolver as dificuldades de estrutura logística (seguro que muito disto tem origem na imensa corrupção que assola nosso país), assim como, proporcionar que os serviços sanitários estejam de acordo com as premissas dos órgãos internacionais, sem a menor dúvida, nossa nobre vocação de alimentar grande parte do mundo, seria cumprida. Com a disponibilização de proteínas de alta qualidade, vegetais seguros, óleos, matérias primas para muitas indústrias e as maravilhosas e suculentas frutas, que tanto sentimos falta quando estamos longe do Brasil.
Roberta Züge é membro do Conselho Científico Agro
Sustentável (CCAS); Vice-Presidente do Sindicato dos Médicos Veterinários do
Paraná (SINDIVET); Médica Veterinária Doutora pela Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP); Sócia da Ceres
Qualidade.