Debates
Diferenciação, autopoiesis e comunhão
Da Redação | 10 de abril de 2018 - 02:44
Por Mário Sérgio de Melo
O livro O tao da libertação (M. Hathaway e L. Boff,
2012) discute diferenciação, autopoiesis e comunhão, conceitos fundamentais
hoje, quando no Brasil e no mundo há retrocesso de valores civilizatórios e
democráticos. Confundimos estadistas, que se dedicam à justiça e inclusão
social e à soberania frente a tirânicos poderes hegemônicos globais, com
oportunistas, que se dedicam a satisfazer inconfessáveis ambições e atavismos
pessoais, às vezes a serviço à tirania internacional ou à insânia pessoal. Confundimos
esclarecimento com manipulação e ilusão. Confundimos valores civilizatórios como
tolerância e solidariedade com posturas que desagregam a sociedade, como
segregação e violência.
Segundo o livro, o cosmos já nos mostra os três
conceitos: diferenciação é o big-bang, a energia concentrada num
ponto expande-se e diferencia-se nos inúmeros mundos que conhecemos; autopoiesis é
a evolução dos mundos, tal como a Terra, que evoluiu bilhões de anos até ter as
condições para dar suporte à vida; comunhão é o colapso no
big-crunch, quando todo o universo voltará a contrair-se. O cosmos também “respiraria”
ciclos, como noite e dia, verão e inverno, glaciais e interglaciais, expiração
e inspiração, os batimentos cardíacos...
Os conceitos também são aplicáveis à natureza humana, às
pessoas e à espécie. Diferenciação seria a nossa individuação, quando passamos
a ter personalidade própria e deixamos de ser massa de manobra. A rebeldia seria
seu primeiro sinal, é bom que entendamos que um jovem rebelde mostra sinais de
que está evoluindo para além da mesmice das massas amorfas, é bom que saibamos
orientá-lo para avançar para os conceitos seguintes. A diferenciação, ou
individuação, é essencial para que comecemos a refletir sobre as trocas entre
nosso interior e o exterior. Passamos a ser mais críticos, passamos a pensar,
passamos a discernir.
Autopoiesis ou autopoesia é a construção da poesia em si
mesmo. Poesia no sentido de sensibilidade, reconhecimento e valorização do belo
e do sublime, evolução da sabedoria e força interior, fortalecimento
e aperfeiçoamento do caráter. É quando construímos nossa identidade,
nossa subjetividade, nos organizamos interiormente através de valores e
condutas harmoniosas e edificantes.
Comunhão começa quando conseguimos sair de nós mesmos, é a
empatia com os outros seres humanos, os outros seres, o planeta. A comunhão nos
torna mais tolerantes, compreensivos, generosos e responsáveis, conosco mesmo,
com a diversidade de seres humanos, com animais e plantas, as águas, os solos,
as florestas, o ar que respiramos... Tão quimérico quanto imaginar o big-crunch
da cosmogênese seria imaginar onde nos levará o clímax da comunhão. Talvez o
congraçamento das almas numa única alma iluminada, como é a crença de algumas
religiões orientais.
Deveríamos refletir sobre estes conceitos. Quanto já
conseguimos nos diferenciar, isto é, quanto já deixamos de ser massa de manobra?
Quem estaria hoje a nos tanger? Talvez a grande mídia, talvez as fake-news que
incorporamos e replicamos sem discernimento? Talvez um consenso construído
sabe-se lá por qual soma de agentes que têm o propósito de nos manipular?
E como anda a nossa autopoieisis, expressa
na nossa educação, na cultura, no cultivo de valores civilizatórios e generosos
que nos ampliem e melhorem nossa visão de mundo e humanidade?
Parece que estes três conceitos estão contidos nas mensagens
dos grandes missionários das religiões do mundo. Cristo teria dito “amar ao
próximo como a ti mesmo, e a Deus sobre todas as coisas”. É possível que não
estejamos sabendo amar nem a nós mesmos, quanto mais ao próximo. Quanto a Deus,
visto que mesmo os teólogos divergem sobre quem seja, podemos admitir que ele
esteja manifesto na Natureza, no Universo. Está manifesto também nesta
maravilhosa singularidade que é o planeta Terra. Como temos cuidado dela?
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, Professor do Departamento de Geociências da UEPG