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A nulidade absoluta da decisão condenatória por juízo absolutamente não competente
Da Redação | 20 de outubro de 2018 - 01:44
Por J. S. Fagundes Cunha e Luis Carlos Simionato
O Senador da República Federativa do Brasil Acir Gurgacz
(RO) segundo consta atualmente recolhido para cumprimento de pena em regime
semi-aberto, pela suposta prática delituosa insculpida na Lei de Crimes contra
o Sistema Financeiro Nacional, por decisão condenatória por maioria de votos,
da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou a sede da Polícia Federal
em Foz do Iguaçu (PR) na manhã desta quarta-feira para cumprir pena de quatro
anos e seis meses em regime semi-aberto no Distrito Federal, condenado em
fevereiro, estava internado há uma semana no Hospital São Lucas, de sua
família, em Cascavel (PR).
Segundo a Polícia Federal, do aeroporto o senador seria
levado ao Instituto Médico-Legal, onde realizaria exame de corpo delito;
depois, ele seria encaminhado ao complexo penitenciário da Papuda.
Em linhas gerais a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu condenar o Senador Acir Gurgacz (PDT-RO) por crimes contra o
sistema financeiro à pena de 4 anos e 6 meses de prisão no regime semiaberto.
Ele foi absolvido da acusação de crime de estelionato.
Pela jurisprudência da Suprema Corte, a prisão é decretada
somente após o julgamento dos segundos embargos de declaração (recurso da
defesa contra a condenação).
Segundo a decisão condenatória, ele terá os direitos
políticos suspensos, mas a perda do mandato ficará submetida à deliberação do
Senado Federal.
A 1ª Turma também condenou o parlamentar ao pagamento de 228
dias-multa, cada dia equivalente a cinco salários mínimos vigentes à época do
cometimento dos crimes.
Conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR)
no período de 2003 a 2004, ele teria obtido, mediante fraude, financiamento
junto ao Banco da Amazônia com a finalidade de renovar a frota de ônibus da
Eucatur, empresa de transporte gerida por ele.
A informação que o empréstimo foi de R$ 1,5 milhão e que
Acir teria se apropriado de R$ 525 mil veiculada na imprensa é falsa. Essa
informação foi inventada pela imprensa e reproduzida por muitos outros sites e
jornais.
O montante solicitado ao BASA em 2003 foi inicialmente de R$
19.505.218,59, mas na retificação do contrato o valor financiado foi de R$
18.584.373,00. O total pago pela empresa ao banco, em valores de 2016, para
quitação do financiamento, somou R$ 31.408.963,00.
A condenação por desvio de finalidade na aplicação de
financiamento - crime contra o sistema financeiro -, ocorreu em julgamento da
Ação Penal 935 na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em 27 de
fevereiro de 2018.
A 1ª Turma do STF julgou parcialmente procedente o pedido
contido na ação penal para condena-lo como incurso no art. 20 da Lei 7.492/86,
vencidos os votos dos Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que fixaram a pena em
2 anos e 6 meses de reclusão, concluindo pela prescrição da pretensão punitiva.
A Turma, por maioria, absolveu o réu quanto à imputação do art. 19, parágrafo
único, da Lei 7.492/86 e quanto à imputação do art. 171, § 3º, do Código Penal.
No entanto, não houve, segundo o próprio Banco, desvio de
finalidade na aplicação do dinheiro do empréstimo dentro do projeto, e, muito
menos, para fora do projeto. Todo recurso foi aplicado na aquisição dos ônibus
para renovação da frota e na formação de capital de giro – como previsto no
projeto.
O que se entendeu como desvio de finalidade foi a incorporação
de sete ônibus com o ano do chassi diferente do ano da carroceria. Estes sete
chassis foram adquiridos em operação lícita com recursos próprios da empresa,
antes mesmo da liberação do crédito. Eram chassis de ônibus bi-articulados,
fabricados em 1993, comprados em Curitiba, recondicionados, montados com
carrocerias novas (ano 2004) na Marcopolo, em Caxias do Sul (RS), e despachados
para Manaus (AM).
Os gestores da empresa solicitaram a incorporação destes
sete ônibus ao projeto – segundo alega o Senador sem o conhecimento do avalista
Acir Gurgacz – e apresentaram fotocópias da documentação original, que não
foram aceitas pelo banco. Essa situação foi prontamente regularizada pela
empresa, que substituiu os sete ônibus usados por ônibus, regularizando a
situação do empréstimo. Foi esse fato – corrigido pela empresa – que se
entendeu como desvio de finalidade no empréstimo no processo. Portanto, o suposto
erro foi corrigido, atestado e aceito pelo Banco da Amazônia – portanto,
conforme certifica o banco e alega a defesa de Acir não houve crime, não houve
desvio de finalidade na aplicação do empréstimo.
O projeto completo de renovação da frota de ônibus de Manaus
– com incorporação de 94 novos ônibus – foi implantado e executado com sucesso
em toda sua totalidade, com regularidade atestada pelo banco.
O empréstimo foi totalmente pago junto ao BASA, dentro dos
parâmetros definidos pelo Banco. Nenhum dos gestores do projeto – na empresa ou
no Banco – foi penalizado.
É importante esclarecer que há a alegação de que a
participação de Acir Gurgacz foi única e exclusivamente como avalista e a prova
testemunhal dá conta que não participou das negociações dos ônibus de Manaus,
segundo alega – pois na época estava afastado da gestão das empresas em Manaus
e também não exercia cargo público, sendo que o empréstimo é de 2003 e Acir
assumiu mandato como senador em 2009.
“As falsidades documentais deixam claro que os recursos não
foram aplicados pela Eucatur na finalidade estabelecida no contrato. A
finalidade era a aquisição de sete veículos Volvo novos, 2004. E foram
aplicados em sete veículos retificados, 1993. Não houve aplicação correta dos
recursos. Houve um desvio de finalidade desses recursos”, afirmou o Ministro
Alexandre de Moraes, ao votar pela condenação
Em seu voto, o Ministro afirmou que não há dúvidas sobre a
autoria e que as provas mostram que o senador “teve envolvimento direto na
empreitada criminosa”. “Ficou claro que o parlamentar não era apenas sócio da
Eucatur, mas sustentava controle administrativo da empresa”, completou.
Já com relação ao crime de estelionato, o Ministro votou
pela absolvição. Segundo o ministro, “acusação não demonstrou qual teria sido a
vantagem ilícita obtida pelo réu”.
No início do julgamento, que foi interrompido em 6 de
fevereiro, a PGR pediu uma pena de cinco anos de reclusão em regime inicial
fechado e a imediata execução da pena. Em seguida, a defesa do senador fez
sustentação oral, alegando que não há a comprovação da existência dos crimes,
nem prova da autoria imputada ao acusado, pedindo a absolvição das duas
acusações.
Não obstante o entendimento da defesa de que é injusta a
decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Penal 935,
que está relacionada a empréstimo da empresa Eucatur / Manaus junto ao Banco da
Amazônia para renovação da frota de ônibus e de capital de giro, por
fundamentos que pretende demonstrar, o fato é que no foro competente devem ser
apreciadas as alegação de que além de não ter participação direta na captação
do empréstimo, toda operação de crédito foi quitada na época e considerada
regular pelo Banco da Amazônia, como mostra laudo de perícia feito pelo banco.
Cabe lembrar, que o empréstimo foi feito em 2003, há 15
anos, quando o Paciente estava afastado das atividades administrativas da
empresa, segundo a defesa, e que parece consta nos autos, não ocupava ele
qualquer cargo público e assinou o contrato apenas como avalista, o que deve
ser apreciado no foro competente.
Com base em no seguintes argumentos entendemos lhe foi
decretada a prisão, diga-se de passagem, por juízo não competente.
Ora, narra a Constituição Federal, Lei Maior, que ninguém
será preso ou sentenciado senão pela autoridade competente.
Vejamos:
C. F: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente;
Já o Código de Processo Penal prescreve que:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo
lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em
que for praticado o último ato de execução.
A competência, como dito anteriormente, é limitação do poder
jurisdicional. Determina a abrangência da atuação jurisdicional. Seu conceito é
exposto no art. 69, do CPP, vejamos:
Art. 69, CPP: Determinará a competência jurisdicional:
I - o lugar da infração: (competência ratione loci)
Assim, em razão do território, um crime sempre será regido
no local onde foi cometido o delito (art. 69, I, CPP). Porém, não sabendo de
fato qual o local onde foi consumado o delito, este será julgado no foro do
domicílio do réu (art. 69, II, e art. 72, ambos do CPP).
O fato é que diferentemente do que narrado na denúncia, o
julgamento não ocorreu no foro onde sucederam, mas no Supremo Tribunal Federal,
em razão do cargo de Senador.
Desde maio, quando o Supremo Tribunal Federal restringiu a
aplicação do foro especial, centenas de inquéritos e ações penais foram
baixados pelo Supremo para a primeira instância da Justiça do estado de origem
do político.
Pelo novo entendimento, a prerrogativa só vale para crimes
praticados no exercício do mandato e em razão dele.
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), a mesma que
impôs a condenação, já decidiu que entende que só serão julgados no Supremo
Tribunal Federal se suposto crime foi cometido no cargo.
A decisão foi tomada no caso específico de Blairo Maggi
Ministro da Agricultura. Em maio, o Supremo Tribunal Federal também restringiu
foro privilegiado de deputados e senadores a crimes cometidos no exercício do
mandato parlamentar.
Ao analisar o caso precedente, o Ministro Luiz Fux votou por
restringir o foro de ministros e de conselheiros do tribunal de contas.
Acompanharam o voto dele os ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Marco
Aurélio Mello. Importante destacar que firmou o entendimento de que "A
razão de decidir no julgamento aplica-se indistintamente em relação a qualquer
hipótese de prerrogativa de foro por função", entendeu o Ministro Luiz
Fux.
Por 7 a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reduzir
o alcance do foro privilegiado, no caso de deputados federais e senadores, para
crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, conforme o
entendimento defendido pelo ministro Luís Roberto Barroso, isto após muito
debate, na quinta sessão que dedicou à análise do tema - o julgamento foi
iniciado em 31 de maio do ano passado.
Já o Ministro Dias Toffoli, que tinha aderido inicialmente à
posição do Ministro Alexandre de Moraes, fez na quinta-feira um ajuste no voto
e abriu uma terceira via, ao defender a restrição do foro privilegiado não só
para deputados federais e senadores, mas para todas as autoridades, também a
partir da diplomação ou da nomeação, dependendo do cargo da autoridade. O
Ministro Dias Toffoli ainda votou para derrubar as normas previstas em
constituições estaduais que preveem foro para autoridades, como secretários de
Estado.
“Não podemos tão somente restringir o foro aos
parlamentares, temos de aplicar essa interpretação a todos que tenham por força
da Constituição o foro de prerrogativa,” — disse o Ministro Dias Toffoli.
Portanto, depois da corrente interpretação, ainda há investigações
que não se encaixam nessas hipóteses em tramitação, mas nos parece que resta
indelével que o Supremo Tribunal Federal (STF) não é o foro competente para
conhecer julgar a Ação Penal 935, quer por não se tratar de foro privilegiado
de senador, posto que somente o seria se crimes cometidos no exercício do
mandato parlamentar.
Ao que parece tem julgamento pelo STF de ato ilícito com
tais características, o que significa ser julgado por juízo não competente,
causa de nulidade absoluta do julgamento. Passível de habeas corpus.
Nem se alegue que os processos que iniciaram o julgamento
devem prosseguir no Supremo Tribunal Federal (STF) posto que competência
absoluta é matéria de ordem pública e inderrogável.
Sendo assim, a decisão que decretou sua prisão é nula de
pleno direito! Devendo, com a devida vênia, ser imediatamente suspensa a sua
prisão eis que, emanada de autoridade não competente para presidir o feito em
questão.
J. S. Fagundes Cunha é Desembargador do Tribunal de Justiça
do Paraná, Pós Ph.D pela Universidade de Coimbra e Coordenador Geral Pedagógico
das Faculdades Integradas do CESCAGE
Luis Carlos Simionato é Mestre e Doutorando em Ciências
Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra e Professor de Direito Penal da
Faculdade de Direito do CESCAGE