Debates
Verga mas não quebra
Da Redação | 24 de setembro de 2021 - 02:32
Por Luis Otavio Leal
Após as manifestações do Dia da Independência, a frase que
sintetiza a situação política brasileira no curto prazo vem de um provérbio
africano: “Árvore que verga o vento não quebra”. Portanto, vamos fazer uma
incursão no terreno pantanoso da análise política, tentando entender quais as
implicações das manifestações de 7 de setembro sobre o cenário econômico
brasileiro.
Se estivéssemos assistindo a uma luta de boxe, poderíamos
dizer que o saldo das manifestações foi um “empate técnico”. Ou seja, se por um
lado Jair Bolsonaro conseguiu a foto desejada – milhares de pessoas na rua
apoiando seu Governo –, por outro, o número de manifestantes não pode ser
considerado suficiente para dar respaldo a qualquer movimento “fora das quatro
linhas da Constituição”. Acrescente-se a isso o fato de não ter ocorrido nenhum
dos cenários mais adversos, como invasões de prédios públicos e/ou conflitos
entre manifestantes pró e contra Bolsonaro, e chegamos ao nosso veredito final:
por enquanto, a democracia por aqui “vergou, mas não quebrou”. Mas quais as
consequências disso daqui para frente?
Apesar de não ter havido nenhuma ruptura da ordem
institucional, não dá para deixar de admitir que a situação política está mais
tensionada neste momento. As declarações de Bolsonaro, tanto em Brasília
quanto, principalmente, em São Paulo, aumentaram o clima beligerante entre o
presidente e o STF. Sem dúvida, frases do tipo “Ou o chefe desse Poder enquadra
o seu ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos”, ou “Qualquer decisão
do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”, foram mais
um passo no movimento de esticar a corda, que parece ser o nome do jogo dos
dois lados da Praça dos Três Poderes.
O discurso de Bolsonaro em 7 de setembro lançou um claro
desafio ao STF, que provavelmente deve reagir intensificando as prisões e as
diligências contra pessoas próximas do presidente, sob pena de perder
autoridade. A fala do presidente da corte, Luiz Fux, no dia seguinte, deu o tom
ao afirmar que, “se desprezo a decisões judiciais é iniciativa de chefe de
poder, configura crime de responsabilidade”, ou que “ninguém, ninguém, fechará
esta corte”. Portanto, a sensação é de que a única forma de não haver um choque
entre os “dois carros” seria a intervenção de um terceiro ator, podendo ser a
classe política, caracterizada, ou não, na figura do Congresso.
Mas como se daria esse apaziguamento? A resposta pode ter
vindo de onde menos se esperava. Uma reunião entre o ex-presidente Michel Temer
e Bolsonaro resultou em uma nota oficial que parece ser o primeiro passo para a
redução da temperatura entre os poderes. Por enquanto, um dos carros aparenta
ter desviado. Como a probabilidade de ruptura ainda não é a predominante em
qualquer análise e, esse apaziguamento ainda deverá se provar duradouro ou não,
temos que pensar qual o impacto de um cenário de estresse permanente sobre as
perspectivas para a economia brasileira.
O ponto de contato mais importante entre a crise política e
a economia se dá, tanto através das pesquisas de opinião a respeito do governo
de Jair Bolsonaro, quanto das que medem as chances de reeleição do incumbente.
Quanto pior for o desempenho do presidente em ambas, maior será a tendência de
tomar medidas populistas para reverter o seu desempenho ruim. Isso nos leva à
questão fiscal e à discussão do Orçamento de 2022.
A inflação mais alta esperada para o final de 2021, por
vários fatores, entre eles a Crise Hídrica, está reduzindo o espaço adicional
que havia no Teto dos Gastos para acomodar, entre outras demandas, um Bolsa
Família “turbinado”. A essa questão se soma o problema dos precatórios, que
agrava ainda mais a situação. Enquanto isso, o orçamento enviado pelo Governo
ao Congresso na semana passada não direciona a solução de nenhum desses
problemas, até por limitações legais, fazendo com que a PEC dos precatórios
seja o ponto-chave para desarmar esse “nó górdio” fiscal. O problema é que o
texto pautado na Câmara não foi bem aceito pelo mercado, e, a solução via
acordo na justiça, conhecida como “Fux-Dantas”, pelos seus idealizadores serem
os ministros do STF, Luiz Fux, e do TCU, Bruno Dantas, perdeu força após a
escalada da tensão entre Bolsonaro e o Supremo.
Portanto, a conjunção de um Governo enfraquecido pelo embate
com o judiciário e a necessidade de aumentar os gastos em um ano eleitoral,
pode abrir espaço para soluções criativas para desatar o tal “nó górdio”
fiscal, o que também não deve ser bem aceito pelo mercado, ampliando o prêmio
de risco embutido nos ativos brasileiros. Uma nova PEC protocolada na quinta-feira
(09/09) pelo vice-presidente da Câmara, Deputado Marcelo Ramos (PL/AM), acendeu
uma luz no fim do túnel ao propor a retirada dos precatórios da conta do Teto
em 2016, recalculando-o desde então. Essa proposta, além de eliminar a
discussão sobre o calote do pagamento, abriria espaço ao redor de R$ 20 bilhões
no Teto para acomodar as demandas de novos gastos, como a do Auxílio
Brasil.
Como as incertezas fiscais se refletem tanto em um câmbio
mais desvalorizado quanto em taxas de juros de mercado mais elevadas, mantendo
a política monetária pressionada e a contratação de crédito mais cara,
reduzindo as perspectivas de crescimento da economia brasileira, o círculo
vicioso se fecha com a piora na sensação de bem-estar econômico. Como esta
considerada uma variável-chave para a chance de qualquer presidente candidato à
reeleição, voltamos às medidas populistas para alavancar a chances de Bolsonaro
no pleito de 2022.
Se colocarmos no meio dessa confusão a questão da Crise
Hídrica podemos dizer que estamos em meio a uma “tempestade perfeita”, em que
os problemas políticos, institucionais e econômicos se retroalimentam. As
próximas semanas, portanto, podem ser decisivas para vermos se a “nossa” árvore
vai continuar vergando à força do vento ou acabará sucumbindo às forças da
natureza.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa