Debates
Ah, como dói quando falta esperança
Da Redação | 18 de janeiro de 2022 - 01:44
Por Jacir Venturi
Na mitologia grega, no afã de melhorar a
qualidade de vida de nossos ancestrais, o titã Prometeu revelou-lhes os
segredos do fogo. Zeus, o tonitruante e todo-poderoso senhor dos deuses e do
mundo, vociferou furioso: – os homens estão se desenvolvendo tanto com o uso do
fogo que em breve alcançarão os imortais deuses. Vingança, vingança!
Pandora, a formosíssima primeira mulher criada
por Zeus, foi oferecida a Prometeu, que a recusou temendo ser um ardil, e ela
se casou com o irmão do titã. Pelas núpcias, Zeus presenteou Pandora com uma
caixa, com a recomendação expressa de que jamais a abrisse. Vencida pela
curiosidade, Pandora a abriu e viu saltarem de dentro dela todos os flagelos da
humanidade – doenças, guerras, mortes, inveja, desentendimentos, pragas,
violências, pobreza… Ao perceber que a liberação desses males estaria
condenando a humanidade a uma vida de infortúnios, Pandora se apressou em
fechar a caixa, porém lá permanecendo a esperança.
Nessa narrativa da antiga Grécia politeísta,
os males liberados da caixa de Pandora são oportunidades de homens e mulheres
se aperfeiçoarem por meio das adversidades e provas (ficou preservado o único
dom positivo: a esperança) e, assim, manterem-se perseverantes, resilientes e
enlevados. Manter acesas as chamas da esperança e do entusiasmo é o grande
desafio da vida, pois querer escapar da dor é tentar fugir da própria condição
humana.
Aliás, entusiasmo é uma palavra belíssima que
provém do grego en-theo, que literalmente significa “deus dentro de si”. Para
os gregos, quem carrega a chama esplendorosa do entusiasmo tem um deus dentro
de si. Sejamos, portanto, arautos da esperança, que na sabedoria popular é a
última que morre, da qual jamais devemos privar uma pessoa, pois talvez ela só
tenha isso. Ao que o poeta pernambucano Manoel Bandeira bem complementa: “Ah,
como dói quando falta esperança.”
Esperança tem etimologia no latim spes, que
significa “confiança em algo positivo”. A vida é uma gangorra com seus altos e
baixos, e Deus nunca nos dá tudo, mas também sempre temos muito a agradecer e a
comemorar. Devemos manter sempre intensas as forças das boas energias, das
preces, do pensamento positivo, da esperança, pois promovem curas e nos
confortam em nossas agruras. Pouco podemos sem esperança, e muito podemos
unindo a esperança a uma ação organizada. A busca do equilíbrio entre a
espiritualidade, a materialidade e os bons afetos é a essência para uma vida de
contentamento interior. E o nosso Mário Quintana, o poeta das coisas simples,
se faz oportuno: “Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras
pessimistas.”
E neste início de um novo ano, após os
estertores da superação de um segundo ano pandêmico, de perdas e isolamento
social, há um renovar de esperanças, sobretudo uma disposição de sermos mais
altruístas, com bons propósitos de ressignificar nossas atitudes de amor ao
próximo. Afinal, “bondade também se aprende” – como bem ensina a poetisa goiana
Cora Coralina. Nesse mister, o Brasil – que não é um país pobre, mas injusto –
será salvo não apenas pelos governantes, mas pelas ações concretas de cada um
de nós. Não podemos ficar indiferentes à cruel realidade de nossas crianças e
jovens, carentes não só de alimento, saúde e boas escolas, mas também de
esperança.
Parafraseando Dante Alighieri (1265-1321), os
piores lugares do inferno deveriam ser reservados aos governantes populistas e
malversadores do dinheiro público, pois geram miséria e infelicitam uma nação,
tirando de seu povo um de seus maiores tesouros: sim, a esperança. A propósito,
em um dos versos de sua monumental obra A Divina Comédia, o autor descreve em
italiano a inscrição no frontispício do Portal do Inferno: Lasciate ogni
speranza, voi ch’entrate (“Deixai toda a esperança, vós que entrais”).
O que seria de nós sem a virtude da esperança?
Conforme o mito de Pandora, ao abrir a caixa, os males e os tormentos se
espraiaram por toda a superfície da Terra. Sem esperança, seria como transpor
os umbrais do Portal de Dante, é certo, mas outros valores ou virtudes também
merecem ser relembrados, entre eles os que São Paulo escreveu aos Coríntios:
“assim, permanecem esses três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles,
porém, é o amor”.
Jacir J. Venturi, autor de livros, entre eles
Da Sabedoria Clássica à Popular, é vice-presidente do Conselho Estadual de
Educação do PR(CEE/PR), foi diretor de escola e professor da UFPR, PUCPR e
Universidade Positivo