Debates
O multiverso, a educação e o trabalho
Da Redação | 22 de junho de 2022 - 00:27
Por Acedriana Vicente Vogel
É perfeitamente possível, para a ciência, que, em um
conjunto hipotético de universos possíveis, tenhamos vidas completamente
diferentes desta que levamos nesta intersecção específica do espaço-tempo. O
chamado multiverso é uma possibilidade teórica real, ainda não completamente
provada, mas que já foi celebrada em livros, filmes, séries e músicas por todo
o mundo. Também pode ser uma forma de explicar como algumas áreas da vida
humana – como a educação e o mundo do trabalho – caminham em tão impressionante
descompasso.
Em uma recente pesquisa envolvendo gestores das melhores
universidades dos Estados Unidos, constatou-se que mais de 90% deles acreditam
que seus alunos são muito bem preparados para os desafios que encontrarão nas
empresas. Esses profissionais da educação, preparados por anos, às vezes
décadas de vivência acadêmica, estão seguros de que o ensino oferecido em suas
instituições é o suficiente para formar os trabalhadores do amanhã.
Do outro lado do balcão, a opinião parece ser muito
divergente. Essa mesma pesquisa apontou que mais de 80% dos executivos das
principais empresas dos mesmos Estados Unidos relatam exatamente o contrário.
Para eles, os egressos das universidades chegam muito mal preparados para
situações básicas da vida profissional. Assim como na teoria do multiverso,
gestores educacionais e executivos vivem em mundos completamente distintos um
do outro. Eles não falam sequer o mesmo idioma. E o pior é o risco da tradução,
que acaba por perder nuances importantes das duas culturas e comprometer de
forma significativa o sentido do texto.
Mas não importa o tamanho ou a infinitude das galáxias,
constelações ou rios que separam esses dois universos, não podemos deixar que
eles continuem caminhando de maneira tão descasada. A atividade da escola não
pode estar divorciada do mundo do trabalho. Por outro lado, também não se pode
permitir que o futuro da escola como instituição seja decidido sem a sua
participação lúcida e ativa. O retorno ao trabalho presencial, após a reclusão
pandêmica, não deixa margem para dúvidas: a escola é um espaço formal
privilegiado para o desenvolvimento humano.
Não há como avançar nesse alinhamento de expectativas sobre
as entregas da educação sem responder à pergunta: o que cabe à escola? E mais:
do que abriremos mão em nossos currículos para que possamos fazer uma entrega
pedagógica honesta? Somente com esse olhar cuidadoso para o universo do ensino
poderemos construir uma formação que esteja mais de acordo com o que o universo
do mercado precisa. E, entretanto, também é esse olhar que vai permitir
promover esse casamento sem, contudo, deixar de lado conteúdos acadêmicos que
têm muito valor, ainda que esse valor não possa ser monetizado.
Parar, sentar e pensar juntos, profissionais da educação,
executivos das empresas, governo, famílias e estudantes – sem tradutores - é um
luxo necessário que demanda tempo, exige velocidade e requer escolhas. Todos
somos relevantes nesse debate para dar sentido ao nosso pedaço do multiverso:
um mundo real repleto de desafios que exigem pensamento crítico, comunicação,
colaboração e criatividade. Temos a responsabilidade de oferecer um horizonte
para uma geração ávida por pertencer a uma escola que fale a sua língua. E que
essa língua seja compreendida e valorizada no mundo do trabalho. Não podemos
permitir que “na briga entre o mar e a pedra, quem apanhe seja o caranguejo”.
*Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica do Sistema
Positivo de Ensino.