Paulo Coelho
A natureza como fonte inspiradora
O grito no vale O homem resolveu partir em busca de Deus. E foi atrás dos mestres, que diziam conhecer profundamente as razões pelas quais o Universo havia sido criado, e prometiam explicar o que Deus queria da humanidade.
Da Redação | 14 de abril de 2017 - 05:35
Por Paulo Coelho
O grito no vale
O homem resolveu partir em busca de Deus. E foi atrás dos mestres, que diziam conhecer profundamente as razões pelas quais o Universo havia sido criado, e prometiam explicar o que Deus queria da humanidade.
- Mas quem lhes ensinou isso? - perguntava aos mestres - Foi o próprio Deus?
Os mestres diziam muitas palavras bonitas, mas não conseguiam definir exatamente quem os ensinara tudo que pregavam aos quatro ventos. Portanto, depois de alguns dias de aprendizado aqui e acolá, o homem sempre seguia adiante.
Em suas andanças, terminou conhecendo um vale, onde camponeses afirmavam que, em uma montanha próxima, Deus falava com quem se aproximasse.
E o homem foi para a montanha. Esperou durante três dias, jejuando e rezando, mas Deus não se aproximou. No quarto dia, já desesperado, ele gritou:
- Onde estás?
O eco respondeu:
- Onde estás?
E, a partir daquele instante, o homem compreendeu que Deus fazia a mesma pergunta, e que também lhe buscava.
A cultura e a contemplação
A tradição sufi nos conta a história de um filósofo que cruzava um rio em um barco. Durante a travessia, procurava mostrar sua sabedoria ao barqueiro.
- Você conhece os textos de Horbiger?
- Não - respondeu o barqueiro. - Mas conheço o que a natureza me ensinou para desempenhar bem o meu trabalho.
- Pois saiba que perdeu metade de sua vida!
No meio do rio, o barco bateu numa pedra, e naufragou. O barqueiro nadava para uma das margens, quando viu o filósofo se afogando.
- Não sei nadar! - gritou ele desesperado. - Eu lhe disse que havia perdido metade de sua vida por não conhecer Horbiger, e agora perco a minha vida inteira por não entender coisas tão simples como as correntezas de um rio!
O dia e a noite
O mestre reuniu seus discípulos e perguntou como era possível saber a hora exata em que a noite terminava.
- Quando podemos ver o primeiro brilho do sol – responderam todos.
- Nada disso. A noite termina quando podemos olhar no rosto de nosso irmão e ver que ele é o nosso próximo. Quando podemos nos levantar da cama sem nenhum remorso do que fizemos no dia anterior. Quando podemos dizer a nós mesmos que, custe o que custar estaremos sempre agindo de acordo com a vontade de Deus.
- Enquanto não pudermos fazer isto, continuará sendo noite - mesmo que o sol esteja brilhando lá fora.
Zhuan Ziu fala da natureza
Quando o inverno chega, as árvores devem suspirar de tristeza ao ver suas folhas caírem.
Dizem: "jamais seremos como antes".
Claro. Ou então, qual o sentido de renovar-se? As próximas folhas terão sua personalidade própria, pertencem a um novo verão que se aproxima, e que nunca poderá ser igual ao que passou.
Viver é mudar – e as estações nos repetem esta mesma lição todos os anos. Mudar significa passar por um período de depressão: ainda não conhecemos o novo, e temos que esquecer tudo aquilo com o que estávamos habituados. Mas, se temos um pouco de paciência, a primavera termina chegando, e esquecemos o inverno de nossas desesperanças.
Mudança e renovação são leis da vida. É bom acostumar-se com elas, e não sofrer com coisas que só existem para nos trazer alegrias.