Paulo Coelho
O poder da palavra - destruindo o seu próximo
O poder da palavra - destruindo o seu próximo
Da Redação | 02 de setembro de 2017 - 00:35
Malba Tahan ilustra os perigos da palavra: uma mulher tanto falou que seu vizinho era ladrão, que o rapaz acabou preso. Dias depois, descobriram que era inocente; o rapaz foi solto e processou a mulher.
- Comentários não são tão graves - disse ela para o juiz.
- De acordo – respondeu o magistrado. – Hoje, ao voltar para casa, escreva tudo que disse de mal sobre o rapaz; depois pique o papel e jogue os pedaços no caminho. Amanhã volte para ouvir a sentença.
A mulher obedeceu, e voltou no dia seguinte.
- A senhora está perdoada se me entregar os pedaços do papel que espalhou ontem. Caso contrário, será condenada a um ano de prisão – declarou o magistrado.
- Mas é impossível! O vento já espalhou tudo!
- Da mesma maneira, um simples comentário pode ser espalhado pelo vento, destruir a honra de um homem, e depois é impossível consertar o mal já feito.
E enviou a mulher para o cárcere.
Uma lenda do Pólo Norte
Conta uma lenda esquimó que, na aurora do mundo, não havia qualquer diferença entre homens e animais: todas as criaturas viviam em harmonia sobre a face da Terra e cada uma podia transformar-se na outra, a fim de entendê-la melhor. Os homens viravam peixes, os peixes viravam homens, e todos falavam a mesma língua.
"Nesta época", continua a lenda, "as palavras eram mágicas e o mundo espiritual distribuía fartamente suas bênçãos. Uma frase dita ao acaso podia ter estranhas consequências; bastava pronunciar um desejo que este se realizava”.
Foi então que todas as criaturas começaram a abusar deste poder. A confusão se instalou e a sabedoria se perdeu. "Mas a palavra continua mágica e a sabedoria ainda concede o dom de fazer milagres a todos que a respeitam", conclui a lenda.
Os tempos difíceis
Um homem vendia laranjas no meio de uma estrada. Era analfabeto, de modo que nunca lia jornais. Colocava pelo caminho alguns cartazes e passava o dia apregoando o sabor de sua mercadoria.
Todos compravam e o homem progrediu. Com o dinheiro, colocou mais cartazes, e passou a vender mais frutas. O negócio progredia rapidamente quando seu filho - que era culto e havia estudado numa grande cidade - procurou-o:
- Papai, você não sabe que o Brasil está atravessando momentos difíceis? A economia do país anda péssima!
Preocupado, o homem reduziu o número de cartazes e passou a revender mercadoria de pior qualidade, porque era mais barata. As vendas despencaram imediatamente.
"Meu filho tem razão", pensou ele. "Os tempos estão muito difíceis".
O manual de instruções
Depois de comprar uma nova máquina de descascar legumes, a mulher tentou – usando o manual de instruções – fazer com que funcionasse. Terminou por desistir, deixando as peças espalhadas na mesa. Foi ao mercado e ao voltar descobriu que a empregada tinha montado o aparelho.
"Mas como conseguiu isso?", perguntou surpresa.
"Bem, como não sei ler, fui obrigada a usar a cabeça", foi a resposta.