Debates
Talento e vocação
Da Redação | 09 de abril de 2024 - 01:39
Por Mário Sérgio de Melo
Vamos considerar como “talento” a habilidade nata
edificante, que engrandece o indivíduo e contribui para o convívio social. Bem
diferente de habilidades que podem ser nefastas, como a do projetista de minas
terrestres explosivas. E vamos considerar como “vocação” o chamado, o desejo e
empenho em firmar-se numa certa habilidade, seja profissional, artística, esportiva,
científica.
Bem-aventurada a pessoa na qual convergem talento e vocação!
Quem tem talento para ser um músico, e deseja sê-lo, superará obstáculos, e terá
grande chance de tornar-se um músico bem-sucedido. Mas quem tem talento para
ser um escritor, e não se empenha em sê-lo, talvez nunca escreva.
Há outras componentes na relação entre talento e vocação. A
oportunidade, fruto do ambiente, natural ou social, é uma delas. Alguém com
talento para a música que nunca for apresentado a ela, dificilmente poderá
tornar-se um músico. A menos que seu talento seja tão prodigioso que ele
encontre a música nos sons da natureza. Alguém com talento para a literatura
que nunca venha a conhecer um livro, dificilmente poderá tornar-se um escritor.
Outra componente é a circunstância. Entre os sobreviventes
de um acidente aéreo na floresta, por exemplo, um hábil escriturário da cidade
pode revelar-se um competente intérprete da ignorada linguagem da selva. E pode
salvar a todos.
Condição essencial para que o talento se manifeste é sua
aceitação. Mas é possível que o talentoso nunca descubra seu talento ─ dizem
que é a situação mais comum ─. Ou até saiba dele, mas o rejeite, influenciado
por imposições sociais. A mulher agregadora e líder nata pode vir a ser sabotada
num meio ferozmente patriarcal, e pode optar por anular-se. O poeta sensível
pode preferir o anonimato numa sociedade machista e mercantil. Ou uma talentosa
cozinheira pode julgar que cozinhar seja tarefa de escravas e serviçais, e nunca
desenvolva seu condão.
Há outro lado: o desejo, a vocação, divorciada do talento
natural. A realização do desejo vai depender da combinação de outros fatores. Sobretudo
dedicação. Adquirir uma habilidade que não se possuía vai depender de empenho e
perseverança. E desde que a pessoa seja capaz de vencer as limitações para construir-se
talentosa na sua vocação. E de reconhecer quais os limites intransponíveis. Não
é plausível que um deficiente visual venha a tornar-se um fotógrafo renomado.
Nem que alguém dotado para ser um velocista torne-se um campeão de levantamento
de peso pesado. Nem que a pessoa com deficiência de atenção transforme-se numa
revisora de textos.
Em qualquer dos casos possíveis, é essencial que cada ser
humano tenha oportunidade e estímulo para reconhecer, valorizar e desenvolver
seus talentos. Educação e inclusão social são capitais para que isso aconteça,
e devem ser prioridades de um governo democrático.
É bem crível que todos nós, sem exceção, tenhamos nossos talentos natos. Lograr descobri-los e exercê-los realizaria o indivíduo e acrescentaria à sociedade.
Autor é Geólogo, professor aposentado do Departamento de
Geociências da UEPG