Debates
Como a Anvisa pode virar o jogo da cananbis no Brasil?
Da Redação | 12 de abril de 2024 - 00:07
Por Claudia de Lucca Mano
A descriminalização
de drogas voltou aos holofotes no Brasil desde que o Supremo Tribunal Federal
(STF) retomou o julgamento do tema de repercussão geral, que pode definir
quantidades “autorizadas” para porte e posse de maconha, sem o risco de a
pessoa ser considerada traficante. Por outro lado, o Senado pretende alterar a
Constituição Federal, através da PEC 45, para fazer constar como clausula
pétrea (imutável) a criminalização de qualquer quantidade de droga. O Projeto
de Lei 399/15 que poderia nortear o debate, colocando fim às inseguranças
jurídicas do tema, está no limbo. O projeto foi aprovado na Câmara, mas não
seguiu para o Senado devido a um recurso obstrutor.
Em paralelo, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) também foi provocado a julgar a questão do
cânhamo, em ação de empresa de biotecnologia, que terá audiência pública no
próximo dia 26 de abril. No processo judicial contra a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), a empresa DNA defende que o cânhamo e suas
sementes não deveriam sequer ser considerados como drogas ilícitas, dada a
possibilidade de manter os níveis de THC em patamares inferiores a 0,3%.
O problema, que
coloca Executivo, Legislativo e Judiciário em rota de colisão, poderia muito
bem ser resolvido pela Anvisa.
À primeira vista, o
papel da Agência fica restrito à saúde pública. Ou seja, aprovar e regulamentar
empresas e produtos que possam afetar a saúde dos brasileiros. Com isso, tem a
responsabilidade de fiscalizar equipamentos médico-hospitalares, cosméticos,
produtos de limpeza, medicamentos, suplementos nutricionais e alimentos, além
dos derivados de tabaco. A Agência, uma das maiores do mundo, também exerce
fiscalização de fronteiras, controlando a entrada de produtos regulados no país
e coordena o sistema, orientando os demais entes estaduais e municipais
responsáveis diretos pela fiscalização.
As discussões sobre
“legalização” da cannabis sativa para uso adulto ou recreativo, portanto, não
seriam de competência da Agência, visto que sua atribuição se limita ao uso em
saúde.
Ocorre, entretanto,
que a lista do que é droga lícita ou ilícita é feita pela Anvisa, através da
Portaria 344/98. Isso permite definir quais substâncias são medicinais e em
quais dosagens, identificar que plantas ou substâncias são drogas proibidas,
proscritas, ou lícitas e controladas.
A lista é grande,
organizada em sub listas com regimes de controle próprios e costuma ser
atualizada 3 ou 4 vezes por ano. Se a Anvisa readequar a lista, o cenário muda
completamente.
A Anvisa alega que não pode tirar a cannabis sativa da lista de drogas proibidas (Lista e Port. 344/98), devido as convenções internacionais de drogas. Mas incluiu - é bem verdade que por ordem judicial - o THC e o CBD nas listas de drogas lícitas. Ademais, o Brasil pode exercer sua soberania para definir a legalidade de substâncias presentes em convenções internacionais.
Acredito que a
Anvisa poderia, por exemplo, definir porcentagens máximas de THC em cânhamo
industrial (que tende a girar em torno dos 0,2 ou 0,3%) como pede a autora
empresa de biotecnologia, na ação que tramita no STJ, retirando de determinadas
espécies a definição de droga ilícita. O Embrapa também vem pleiteando, até o
momento sem sucesso, autorização para cultivo e pesquisa do cânhamo e suas
diversas aplicações industriais. A indústria têxtil, por exemplo, é grande
interessada na planta.
A Agência poderia
autorizar o cultivo e a extração para fins medicinais e científicos. Nada
impede, por exemplo, que a Anvisa mantenha um cadastro simples para auto
cultivadores, pessoas físicas, neutralizando a aparente ilegalidade dos
pacientes medicinais, hoje sujeitos a prisão por plantarem cannabis em casa
para extração de óleo, ou mesmo para uso vaporizado com intuito médico. A
Agência pode também autorizar o plantio industrial conforme Lei 11343/06.
Poderia também
definir qual substância é droga, em qual quantidade e qualidade, estipulando
dosagens, concentrações e mecanismos de controle especifico, além dos que já
existem pela Portaria 344/98 (desde a importação e fabricação até o paciente
final, todo controlado é escriturado e fiscalizado).
A Agência deveria
separar joio de trigo, caracterizar o que é cânhamo industrial, diferenciando
as plantas e suas espécies, determinando parâmetros para extratos secos,
flores, óleos e demais derivados. É necessário também considerar os demais
insumos da planta, como o CBA, Cannabinoid Active System, ou CBG, canabigerol,
e ponderar inclusive coloca-los sob regime de suplementos nutricionais, como o
próprio CDB canabidiol é tratado nos Estados Unidos.
Portanto, em um
cenário em que os Poderes estão em queda de braço em relação ao tema, em que se
aprofundam as desigualdades sociais e onde vigora a insegurança jurídica, a
Anvisa deveria ser capaz de abrir os caminhos e as mentes políticas. A agencia
pode dar pareceres técnicos, desde que isentos, para subsidiar decisões do
Congresso e do Supremo.
*Claudia de Lucca
Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de
vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e
responsável pelo jurídico da associação Farmacann