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Antes do Google existia o Sr. Américo

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Por Giovani Marino Favero

Minha avó paterna tinha o costume de comer a melancia iniciando pela parte mais próxima à casca indo em direção ao centro, mais vermelho, vivo e doce. Toda vez que vejo essa grande fruta lembro-me da vó.  Pequenas situações do cotidiano sempre nos fazem lembrar de pessoas. Desses inúmeros personagens que convivem em minha mente acelerada, três deles são parceiros invisíveis de todos os dias; meu pai, meu avô e o Sr. Américo.

Lá pelos meus doze, treze anos meus pais obrigavam-me a sentar para conversar com meu avô toda vez que vínhamos passar as férias em Ponta Grossa. Como a maioria dos pré-adolescentes eu queria fazer algo dinâmico e não ficar parado escutando um velhinho. No início isso era muito chato, mas com o passar dos anos passei a gostar de escutar suas histórias e adorava quando via ele rindo sozinho. Sempre que isso acontecia rapidamente me sentava ao lado dele e perguntava que história ele havia lembrado.

O nome do meu filho foi ele quem escolheu. Lembro-me como se fosse ontem, ele sentado ao meu lado, já cego, apertou minha perna na altura do joelho esquerdo e disse: “Se você tiver um filho homem coloque o nome de Giuseppe”. Eu respondi que sim, desde que ele me explicasse o motivo. “Giuseppe foi meu segundo irmão, o Davide, mais velho, faleceu jovem, e o Beppe foi na prática o primogênito para mim, e como eu era o mais novo ele quem me cuidou como um pai.”

Meu avô era um grande observador da essência humana, aprendi muito com isso, e possuía um humor típico da italianada que ainda me cativa muito.

Em um artigo do Journal of the Knowledge Economy, em 2015, os pesquisadores afirmaram algo que sentimos mas evitamos comentar. Com o advento da internet testemunhamos uma transformação radical na forma como adquirimos e compartilhamos conhecimento. Anteriormente, os idosos eram frequentemente considerados guardiões valiosos da sabedoria acumulada ao longo de décadas de experiência. Suas histórias, conselhos e conhecimentos práticos eram altamente valorizados, representando uma fonte inestimável de aprendizado para as gerações mais jovens. No entanto, com a proliferação da internet e a rápida disseminação da informação online, a percepção e sabedoria dos idosos são muitas vezes relegadas a segundo plano. O acesso instantâneo a uma quantidade quase ilimitada de informações online levou muitos a questionar a relevância do conhecimento transmitido de forma mais tradicional. Embora a internet tenha democratizado o acesso ao conhecimento e proporcionado oportunidades de aprendizado sem precedentes, também é importante reconhecer o valor único da sabedoria acumulada ao longo de uma vida. A combinação do conhecimento tradicional com as vantagens da era digital pode enriquecer significativamente nossa compreensão do mundo e nos ajudar a enfrentar os desafios contemporâneos com uma perspectiva mais ampla e equilibrada. Mas hoje as pesquisas no google ganharam a preferência na busca por sabedoria.

Durante minha segunda década de vida, após as férias escutando o vô Marino, retornando à rotina em Maringá, minha mãe me passou um novo compromisso dentre as várias atividades que eu tinha que fazer (e aqui vale o comentário, dentre essas estava a datilografia). No primeiro andar do edifício onde morávamos existia um casal de idosos, Sr. Américo e Dona Delza. A nova tarefa era escutar o Sr. Américo e aprender com ele, afinal, ele havia ocupado um cargo super importante na Faber Castel e era muito culto. Tentei fugir dessa, mas não tive como. A primeira conversa foi interessante pois um individuo com muito conhecimento e que havia coordenado grandes reuniões, sabia, com facilidade, passar algo para um jovem de quinze anos.

Consegui arrumar desculpas para não participar das conversas seguintes. Mas, em um dia de primavera, eu já com dezesseis anos, tive que descer escutar o Sr. Américo. Ele, com toda a sua noção de mundo, me chamou para sentarmos na sacada, abriu uma cerveja Original, pegou dois copos, derramou o liquido deixando um colarinho de um dedo, olhou para o Parque do Ingá em nossa frente e discursou sobre as vantagens de ser mediano.

“Ser mediano tem suas vantagens sutis que muitas vezes passam despercebidas. Enquanto ser muito bom pode trazer pressão excessiva e expectativas elevadas, e ser muito ruim pode gerar frustração e desânimo, estar no meio termo pode oferecer uma sensação de equilíbrio. A mediocridade pode permitir mais espaço para experimentação e aprendizado sem o peso do perfeccionismo, além de proporcionar uma dose saudável de humildade para reconhecer áreas de melhoria contínua, sem o peso do fracasso total. Ser mediano pode ser o terreno fértil para o crescimento gradual e a construção de uma base sólida para futuras conquistas.”

Enquanto lhe ouvia pensei na sorte de tomar uma das melhores cervejas que existia na época, “trincando”, absorvendo o saber – e naquele momento isso soava com tom de deboche em meus pensamentos.

Depois daquilo sempre que esquentava um pouco e eu estava sem fazer nada descia até o primeiro andar para brindar o conhecimento. Hoje, sem deboche, afirmo; para minha sorte antes do Google existia o Sr. Américo.

Autor: Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento de Biologia Geral da UEPG.

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