Debates
Fome no celeiro
Da Redação | 12 de junho de 2021 - 01:33
Por Ciro Rosolem
Em 7 de junho foi celebrado o Dia Mundial da Segurança
Alimentar. A data foi estabelecida pela ONU em 2018 com objetivo de inspirar
ações que ajudem a prevenir, detectar e gerenciar riscos de origem alimentar,
contribuindo para segurança alimentar, saúde, direitos humanos, prosperidade
econômica, agricultura, acesso a mercados, turismo e desenvolvimento
sustentável.
Mas o Brasil é o celeiro do mundo. Produzimos o suficiente
para um bilhão de pessoas, e temos pouco mais de 200 milhões vivendo aqui.
Muito se fala do crescimento e sucesso da agricultura brasileira. Afinal somos
top 5 no mundo em 30 produtos agrícolas. Realmente estávamos indo muito bem. Em
2014 havíamos, pela primeira vez, saído do mapa da fome das Nações Unidas. Foi
uma conquista do desenvolvimento agrícola, produzindo alimentos mais baratos,
em conjunção com políticas públicas de auxílio direto aos vulneráveis.
Entretanto, a partir daí, segundo o IBGE, a insegurança alimentar grave voltou
a crescer, bastante, 8% ao ano. Consequência da estagnação econômica, e não da
falta de comida. Entre 2011 e 2020 o setor de serviços cresceu 1,5 % e a
indústria encolheu 12,8 %. No mesmo período a agropecuária cresceu 25,4 %.
Agora, com os problemas agravados pela pandemia, segundo a
Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional,
ao final de 2020 praticamente metade da população brasileira sofria algum grau
de insegurança alimentar. Quase 20 milhões de brasileiros padeciam de
insegurança grave, ou seja, fome mesmo. O mais interessante é que, tanto no
mundo como no Brasil, a insegurança alimentar é bem maior no campo que nas
cidades. Principalmente entre pequenos agricultores em terras marginais. A fome
no celeiro.
Tudo isso aparece com muita clareza na grande vitrine que
são os supermercados, pois a carne subiu, o feijão subiu, o arroz subiu, a
verdura está pelo olho da cara, e assim por diante. Aparentemente a agricultura
é uma das vilãs da insegurança alimentar. Ora, se produzimos muito, exportamos
bastante, porque os brasileiros estão sofrendo essa insegurança alimentar?
Culpa da agricultura de exportação? Do poder econômico? Não mesmo! Só um
exemplo: nos últimos dez anos cresceu a oferta de arroz, mesmo com redução de
quase 50 % na área cultivada, preservando o ambiente. Um estudo recente do
Instituo Millenium detalhou diversos efeitos positivos do crescimento da
agropecuária na geração de empregos e renda, além de redução das desigualdades.
Por diversos motivos, os produtos agrícolas estão mais caros
ultimamente. O problema é que poucos olham para traz e percebem quanto tempo os
preços cresceram menos que a inflação. Com todos os reajustes ocorridos,
segundo o DIEESE, em 2000, um salário mínimo comprava 1,28 cestas básicas, em
2021 compra 1,58. Ou seja, com todos esses aumentos, a agricultura brasileira
ainda está produzindo alimentos relativamente baratos. Os preços dos alimentos
cresceram menos que o valor do salário mínimo.
Então qual o problema real, e como resolvê-lo? Não é
simples, mas já aprendemos algumas coisas. O principal motivo da insegurança
alimentar é falta de renda, não de alimento. Embora políticas públicas de
transferência direta de renda sejam importantes em determinados momentos, ficou
claro que não se constituem em solução. Não diminui a dependência, é paliativa.
Onde a agricultura tecnológica, organizada, cresceu, melhorou o nível de
emprego e renda da população. Então, contra a insegurança alimentar o remédio é
emprego. No Brasil, quando a economia parou, aumentou a insegurança.
Pasmem, a insegurança é maior entre os agricultores
familiares, que recebem 70% das subvenções governamentais para o setor
agropecuário. Algo não está funcionando bem, mais uma vez parece que o dinheiro
não está sendo bem empregado. É que não basta dar terra. É preciso ensinar a
produzir. Assistência técnica de qualidade, sem ideologias, sem política. E,
infelizmente, temos visto o setor de assistência técnica pública encolher.
Veja-se o exemplo do Estado de São Paulo, com o desmantelamento da CATI, que
cuidava do assunto.
Por Ciro Rosolem, vice-Presidente de Comunicação
do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e Professor Titular da Faculdade
de Ciências Agrícolas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (FCA/Unesp Botucatu)