Debates
Bolsonaro, os ex-comandantes e o Golpe: a história já foi escrita
Da Redação | 23 de março de 2024 - 00:14
Por Marcelo Aith
No último dia 15 de
março, a imprensa e o grande público tiveram acesso aos depoimentos dos
ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica do período do governo Bolsonaro. As
oitivas, em breve síntese, corroboram a delação dos ex-ajudante de ordens,
Coronel Mauro Cid, e fortalecem a tese de que Jair Bolsonaro estava a
orquestrar a deflagração de um golpe de estado.
Por óbvio que os
depoimentos, isoladamente analisados, não convergem de forma peremptória e
automática para a configuração dos crimes previstos nos artigos 359-L
e 359-M, ambos do Código Penal.
No entanto,
cotejando-os aos demais elementos de informação coligidos durante as
investigações, inclusive a minuta “do golpe", somados as inúmeras falas do
ex-presidente durante todo seu governo, bem como as declarações
proferidas na famigerada reunião ministerial de junho de 2022, episódio
que somente veio a tona com a prisão do Coronel Mauro Cid, não deixam dúvidas
da sua intenção golpista.
Também não deixa
dúvida que o comportamento histriônico de Bolsonaro, em especial com as falsas
afirmações de fraude eleitoral, e a equivocada associação da vitória da
oposição com a assunção do comunismo ao poder no Brasil, impondo pânico na
população, em especial aos apoiadores ligados as igrejas evangélicas,
contribuíram para a eclosão das manifestações país adentro, culminando com a
manifestação de 8 de janeiro de 2023 - a criminosa invasão da sede dos Três
Poderes em Brasília.
Entretanto, para se
verificar a responsabilidade ou não do ex-governante em relação aos atos
golpistas de 8 de janeiro de 2023, bem como a adequação da imputação a ele dos
crimes de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e de “Golpe de
Estado”, previstos, respectivamente, nos artigos 359-L e 359-M ambos
do Código Penal, temos que enfrentar as seguintes questões:
Bolsonaro ao
instigar o comportamento golpista de seus apoiadores, quer ativa, quer
passivamente (por omissão), aderiu às consequências dos atos por eles
praticados? O ex-presidente ao apresentar a minuta do “golpe” aos comandantes
das forças armadas deu início a fase executória do iter criminis dos tipos
incriminadores previstos nos artigos 359-L e 359-M?
O artigo 359-L
descreve, em abstrato, a seguinte conduta como típica: “Tentar, com emprego de
violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou
restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Não há dúvida que os
invasores dos três poderes tinham a intenção de abolir o Estado Democrático de
Direito, mediante a obstrução do exercício dos poderes. Ademais, somente agiram
dessa forma por conta da instigação constante feita por Bolsonaro e sua equipe.
Ja o artigo 359-M
descreve a conduta de “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o
governo legitimamente constituído”. O principal objetivo dos invasores,
instigados por Bolsonaro, era depor o governo eleito, mediante a criação de uma
desordem institucional que demandasse a necessidade da decretação de estado de
sítio ou algum instrumento semelhante.
Não há como afastar
o ex presidente do epicentro da deflagração do movimento golpista de 8 de
janeiro de 2023, mesmo que ele não tenha anuído expressamente com tais fatos,
explica-se.
Para além dos
critérios doutrinários para a definição de instigação criminalmente adequada,
cuja brevidade desse artigo não admite maiores incursões analíticas, há que ser
analisada a capacidade do ex-presidente instigar seus seguidores a cometerem o
crime.
O poder de
persuasão de Bolsonaro em relação aos seus apoiadores é inquestionável. Com
efeito, a capacidade dele de influenciar causalmente na ação criminosa dos
invasores dos Três Poderes é inequívoca. Tal fato pode ser comprovado
revisitando alguns momentos dos quatro anos de seu governo, como nas enormes
motociatas durante o período pandêmico e outras grandes manifestações (7 de
setembro), são mais do que suficientes para demonstrar que detinha em suas mãos
uma enorme plêiade de apoiadores, ávidos por seguir seu mestre, preparados para
fazer o que ele determinasse direta ou indiretamente. Não se pode olvidar, que
o silêncio sepulcral de Bolsonaro após as eleições serviu de apito para os cães
atacarem, como aconteceu na tentativa de invasão ao prédio da Polícia Federal
em dezembro de 2022 e, principalmente, no 8 de janeiro de 2023. Dessa forma,
não há como deixar de reconhecer que o comportamento de Bolsonaro, durante e
após as eleições, foi determinante para a tentativa de golpe. Mas, essa
instigação tem o condão de gerar responsabilidade penal para Bolsonaro?
Pois bem. Bolsonaro
fez uma verdadeira exortação ao golpe, quer nas falas aleatórias para sua
claque no cercadinho, quer nas “lives” semanais, quer ainda no silêncio após
derrota nas urnas, o que instigou e foi determinante para convencer as pessoas
a cometerem os crimes no dia 8 de janeiro de 2023. Ele deu uma verdadeira ordem
da ação aos seus liderados, que fielmente cumpriram o seu comando. Sem o
comportamento de Bolsonaro não teria havido o trágico desfecho em Brasília, com
a destruição das três casas dos Poderes da República. Ou seja,
extraindo-se Bolsonaro da cadeia fática não teria ocorrido as invasões aos
prédios governamentais. Portanto, a instigação do ex-presidente foi uma
conditio sine qua non para o desfecho criminoso.
Agora deitando
olhares para os “reveladores”(entre aspas porque revelou o que todos sabíamos)
depoimentos dos comandantes das forças armadas do Brasil, além de evidenciarem
que estivemos a beira de um golpe armado de estado, com possível derramamento
de sangue inocente, baseado em mentiras espalhadas inconsequentemente pelo
ex-presidente e sua claque, retira Bolsonaro da condição de partícipe, pela
instigação, dos crimes do dia 8 de janeiro de 2023, colocando-o como autor dos
crimes de “tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito” e
de “golpe de estado”.
Ambas as figuras
típicas são tentadas, mesmo porque se exigisse efetiva consumação já estaríamos
diante de um novo estado, porém autoritário. Outrossim, a fase executiva da
ação delitiva já teve início com a elaboração da minuta do golpe, bem como com
a distribuição das tarefas entres os grupos de apoiadores. Já ultrapassou a
fase preparatória.
Destarte, como não
se exige a efetiva consumação, a anuência dos comandantes das Forças Armadas
configuraria mero reforço argumentativo para o golpe. Com ou sem a anuência, a
tentativa de golpe ocorreria, como de fato ocorreu, sendo desbaratada pela conduta
firme e correta das forças de segurança do Distrito Federal e do ministro
Alexandre de Morais. Do contrário estaríamos diante de um Estado de exceção,
mesmo sem a concordância dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
A estratégia
defensiva da equipe de advogados do ex-presidente é louvável, mas diante da
robustez probatória somente uma anistia livrará Bolsonaro da prisão.
*Marcelo Aith é
advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum
Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino
e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de
Salamanca.